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viver para o sim disso tudo

venho bem cansada de quando e de onde já perdi as contas. embora tenha pulso para sonhar e fazer as coisas, às vezes, o querer é somente pausar um pouco, ficar quieta, até que o ânimo renove. tenho sonhos minúsculos e outros impossíveis, dedico a cada um igual fervura: fazer livros; escrever livros; viajar mundo; morar perto do mar; fazer uma casa de poesia e criação; eteceteras mil.


casamendoeira é uma ousadia que flerta com a linha do impossível. casa, ateliê de livros e centro para vivências artísticas. tudo isto, na roça: Povoado do Cruzeiro, interior do interior da Bahia. trata-se de um projeto atinado ainda em 2016, quando eu havia acabado de concluir o bacharelado em Artes Visuais, na UFRB, e começava a rabiscar planos megalomaníacos que até aqui me trouxeram louca. de lá para cá, vim maturando muita coisa e ainda há muita lapidação a ser feita. mas nasceu, finalmente, em 2023, após 3 anos de uma reforma em plena pandemia e com recursos pingados.


a minha luta tem sido não desanimar desse sonho, ainda que seja árduo sustentá-lo com saúde – minha e dele. mas caaalma, está só no começo e no meio, e é mesmo lenta que uma árvore cresce e distribui frutos.


aqui, já iniciamos movendo muita coisa grandiosa sim e sou justa em reconhecê-las:


1) em abril de 2023, fizemos um lançamento coletivo, 5 livros de autoria negra, de mulheres do interior da Bahia – a coleção cachoeiras;


2) um mês depois, uma emissora nacional de TV veio espiar a casateliê, relacionando sua iniciativa a uma ressonância contemporânea das lutas pela emancipação política do povo baiano, iniciada há cerca de 200 anos – o 2 de julho;


3) em maio de 2023, fizemos a primeira residência artística, reunindo, por 12 dias, 4 artistas visuais baianas - o projeto ocupação artística casamendoeira;


4) a seguir, em julho, abrimos antes da casa, a árvore, a primeira exposição, fruto da residência, e que ocupou a casa, semanalmente, até o mês de setembro, com crianças, jovens, adultos, velhas, em oficinas de arte, em prosas e em outras ações educativas.


até aqui, devo dizer que isto é o começo de sonho realizado. começo, porque sonho reverbera, as raízes crescem, a copa se expande à procura de dançar mais vasta no vento.


então, depois de afirmar a casa, de não deixá-la ruir, precisei seguir sustentando sua existência de base coletiva. embora haja conquistas significativas, as dificuldades em torno do sustento perene, também fadiga.


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mas ontem, quando minha avó de quase 81 anos sentou na sala e se juntou às crianças da escola do povoado, para assistir a um filme animado, floresci meu vigor empoeirado de canseira e relembrei de sonhar com mais audácia – ainda por ela, ainda mais por essas crianças, ainda por mim e pelas minhas que virão.


é para a gente que ouso fazer um movimento desde as bordas, fazendo acontecer nesta zona rural, coisa nunca vista em minha infância ou na adolescência de mainha: manifestações artísticas – teatro, exposição, oficinas, dança, sessão de cinema, leituras e bate-papos, etc.


quando eu era pequena a sala de estar era enorme, hoje ela fica miúda com apenas duas dúzias de pessoas e com mundos que passam numa tela de projeção. foi, por exemplo, para isto, que teimei continuar sonhando a casamendoeira.


a mostra de animação que aconteceu em 16 de setembro de 2024 faz parte do circuito de exibição do Cine Mirá, realizado pelo Núcleo de Animação, da Escola de Belas Artes da UFBA, coordenado pelo professor Dr. Taygoara Aguiar. o Mirá é um projeto de pesquisa e extensão da EBA, voltado ao estudo, produção e difusão de desenhos animados baianos. o grupo reúne cerca de 15 graduandos em Arte e Design, da Universidade Federal da Bahia.


a cada mostra, o Mirá também propõe bate-papos e mãos na massa; então, logo a seguir, as/os estudantes da Escola Municipal Firmino Dias puderam experimentar um pouco de como se faz uma animação, utilizando a técnica do flipbook. primeiro desenharam e pintaram em papel, em seguida acompanharam o processamento digital dos desenhos, com o uso de um aparelho celular e um aplicativo gratuito.


numa breve e imensa tarde, a poeira de minha estafa logo se espana, quando vejo o brilho de empolgação dos pequenos se dando conta de que já detêm as ferramentas básicas para inventar realidades, dentre elas, a própria criatividade e o sonho.

 


 quanto à minha avó Maria Norma, não creio que a partir dessa tarde inventará tal natureza de arte... mas, como deve lhe chegar a alegria de ver ressignificada e aguentando de pé, sua casa de meio século, feita da terra deste terreiro?


vovó se fez a madrinha da casamendoeira. foi ela quem primeiro compreendeu, antes mesmo de todo mundo, que isso tudo não estava escrito meramente por loucura ou capricho de uma menina que vem chegando agora, mas chega com força e alguma fé na vida.


nesses últimos dias, tem sido muito cansativo sonhar. mesmo imitando a teimosia desta casa dura na queda. quero andar devagar, mais devagar – será possível? quero ver que cresce porque cresce, não importa o tempo. brotarão árvores dos semeios de cá. quero muito viver: para o sim disso tudo.


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vovó , a madrinha

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